A norte-americana Gilead vem impedindo a compra de um medicamento genérico para hepatite C que geraria uma economia de cerca de R$ 1 bilhão ao ano para o governo brasileiro. A farmacêutica produz o sofosbuvir, um antiviral com 95% de eficiência. Com o plano anunciado pelo Ministério da Saúde de eliminar a hepatite C até 2030, o SUS passou a tratar todos os pacientes com o antiviral, e não apenas os doentes mais graves. Contudo, o tratamento com o sofosbuvir chega a custar R$ 35 mil por paciente no Brasil, o que limita sua abrangência.
Diante deste cenário, a Anvisa avalizou um convênio entre Farmanguinhos-Fiocruz e Blanver para fabricar o sofosbuvir genérico. Em julho, a Gilead oferecia o sofosbuvir a R$ 140,40 por comprimido. O convênio ofertou o genérico a R$ 34,80. Dada a meta de tratar 50 mil pessoas em 2019, isso significaria uma economia de R$ 1,1 bilhão.
De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo assinada por Patrícia Campos Mello, em agosto, o departamento de hepatites do ministério solicitou a compra do composto mais barato em caráter de urgência. Porém, por conta das contestações de farmacêuticas, não foi feita a aquisição, e o estoque de vários antivirais no SUS acabou.
O ministério afirma à reportagem que “o processo de aquisição do sofosbuvir foi iniciado, e todas as empresas que têm registro no Brasil poderão participar”. Por outro lado, a Gilead questiona por que algumas outras opções não foram consideradas – como uma nova oferta da farmacêutica considerando uma fórmula ainda mais barata que a da Farmanguinhos (à base de plantas e veneno de cobra, mas não recomendada pela OMS). A Gilead prossegue: “Nossa combinação é mais avançada, e os genéricos não consideram todos os cenários”.
O jornal apurou que um grupo liderado pelos Médicos Sem Fronteiras (MSF) encaminhou uma representação ao Ministério Público acusando a Gilead de pressionar o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Intelectual) a conceder a patente do sofosbuvir à Gilead, ameaçando entrar com inúmeras ações judiciais para barrar o genérico. (A Gilead solicitou registro da patente do sofosbuvir no Brasil. De 126 pedidos da empresa, 124 foram rejeitados pelo INPI e dois estão em análise e poderiam bloquear o genérico.)
O grupo do MSF considera que “a competição com genéricos pode resultar em cura mais acessível para as 700 mil pessoas com hepatite C no país. O Brasil pode enviar uma mensagem ao mundo, com decisões que estimulam a concorrência e permitem maior acesso a tratamentos”, diz o documento dos Médicos Sem Fronteiras.
Segundo uma fonte do Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual ouvida pela Folha de S.Paulo, o INPI caminhava para não conceder a patente à Gilead, mas mudou subitamente de curso este ano, após a farmacêutica entrar com uma ação judicial pedindo reversão da decisão – que sequer havia saído. Procurado, o INPI afirma que o pedido está em exame. A Gilead afirma ter “plena convicção” de sua patente.
Há diferentes opiniões entre os médicos. De acordo com a matéria, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) é contra o genérico e diz que há remédios mais novos que deveriam ser considerados. O diretor do comitê de hepatites virais da entidade pediu afastamento por não concordar com essa posição, e há outras vozes dissidentes na SBI. Já os Médicos Sem Fronteiras acusam a Gilead de pressionar médicos e governo. Para eles, a compra do genérico é mais vantajosa, visto que o medicamento é efetivo e mais acessível
Pelo mundo, a patente foi concedida no Chile, mas o governo avalia quebrá-la; foi negada na Argentina e no Egito e está em análise na União Europeia. Na Índia, outras empresas podem fabricar os genéricos, mas elas pagam uma taxa à Gilead e a exportação para países de renda média com grande número de pacientes é proibida.
