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Clenio Schulze: Tratamento curativo e tratamento paliativo na judicialização da saúde

A judicialização da saúde envolve várias terapias e tratamentos.

Questão interessante é saber se o magistrado, quando vai analisar e julgar um processo, pode ter posturas diferentes de acordo com o quadro clínico do autor.

Ou seja, o juiz deve dar a mesma importância para os tratamentos curativos e os tratamentos paliativos?

Os tratamentos curativos são aqueles que podem não apenas melhorar a situação do sujeito autor do processo, mas inclusive trazer a sua cura. Nos tratamentos paliativos, a intervenção tem por finalidade apenas inibir os efeitos da doença e, potencialmente, conferir uma sobrevida maior, já que há alta probabilidade do evento morte.

O tema é polêmico, mas há entendimentos segundo o qual não pode o Estado-juiz destinar altas despesas para tratamentos meramente paliativos. Interessante é o caso da judicialização do pembrolizumabe (keytruda), para tratamento de câncer, pois já há decisão judicial não autorizando o seu uso, em razão da ausência de evidência científica acerca da sua possibilidade curativa. Neste sentido:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDICAMENTO. DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO. 1. É devida a prestação de medicamentos quando demonstrada a sua imprescindibilidade, advinda da necessidade e adequação conjugada com a ausência de alternativa terapêutica no SUS. 2. Hipótese em que do laudo pericial produzido nos autos, a política pública de saúde no caso é adequada, não havendo, infelizmente, evidência de que o uso de Prembolizumab (Keytruda) na situação concreta da autora possa curar a grave doença de que ele sofre ou que possa ser alterado o diagnóstico reservado referido pelo perito judicial. [grifado] (TRF4, AG 5026045-40.2019.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 29/08/2019)

Ainda, no mesmo sentido, há manifestação do NatJus em processo do TJMG, sobre a mesma tecnologia em Saúde:

“Keytruda® (pembrolizumabe) tem indicação de bula para o tratamento de pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) em estadio avançado, cujos tumores expressam PD-L1, conforme determinado por exame validado, e que tenham recebido quimioterapia à base de platina.

Observa-se que apesar de o paciente/requerente apresentar perfil compatível com o avaliado no estudo, a diferença do resultado entre os grupos, pacientes que fizeram uso do pembrolizumabe ou que usaram quimioterapia, não são significativos, o medicamento possui um alto custo, não justificando a relação de custo efetividade.

Visto que o medicamento requerido não é capaz de mudar o prognóstico do paciente/requerente e de não haver evidência de claro benefício global em termos de sobrevida com o uso do medicamento específico requerido, é importante que o requerente seja avaliado em serviço credenciado no SUS e habilitado em oncologia, e seja submetido a tratamento paliativo conforme protocolo institucional próprio disponível. Importante informar que a modalidade de tratamento descrita como paliativa é utilizada para melhorar a qualidade de vida do doente, ou seja, não tem o intuito de prolongar a sobrevida.

No caso concreto, não foram identificados elementos técnicos que indiquem imprescindibilidade do uso específico do medicamento requerido, em detrimento às opções terapêuticas paliativas disponíveis no SUS através dos protocolos institucionais próprios, em conformidade com a portaria SAS/MS nº 357 de08/04/2013.

Como se observa, há entendimento que autoriza a diferença da intervenção judicial quando não há comprovação da efetiva cura ou melhora do estado de saúde do autor do processo, já que caberia ao Estado, neste caso, alocar os recursos para situações em que há maior probabilidade de cura.

Trata-se de questão importante e que merece atenção dos gestores em saúde e também dos atores que participam da judicialização da saúde.

Clenio Jair Schulze é Juiz Federal. Foi Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (2013/2014). É Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali. É co-autor do livro “Direito à saúde análise à luz da judicialização”.

Cojusp fecha agosto representada em mais dois eventos sobre judicialização da saúde

A Cojusp fechou o mês de agosto com participação destacada em dois eventos distintos. No dia 28, a Coordenadoria esteve presente à XXII Semana Jurídica, organizada pela USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Tendo como foco a judicialização da saúde, a Cojusp foi representada pelo Dr. José Luiz de Moraes, diretor da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo e professor de Direito Constitucional na Universidade Paulista. Na ocasião, o procurador debateu sobre possíveis formas de solução para litígios e o atendimento universal, que deve ser prestigiado em detrimento do atendimento individual e casual.

Já em Brasília, no mesmo dia, Dr. Luiz Duarte debateu o “Caso Genzyme” durante a Assenbleia Geral do Conass. Conforme grande repercussão na imprensa e destacado neste site, a farmacêutica Sanofi Genzyme foi condenada pela Justiça de São Paulo a ressarcir o governo paulista por gastos com a compra de remédio destinado a crianças com doença genética.

Segundo o procurador do estado Luiz Duarte de Oliveira, mesmo antes do término dos estudos clínicos, em janeiro de 2006, representantes legais de crianças envolvidas no estudo começaram a impetrar mandados de segurança contra o governo paulista, por meio de uma associação de pacientes, pedindo o remédio. Todas as decisões foram favoráveis às crianças.

“Ocorre que, no Brasil, os laboratórios têm obrigação de cuidar dos pacientes sujeitos de pesquisas clínicas, principalmente quando o resultado é benéfico. Isso implica dar continuidade ao tratamento até a cura ou o resto da vida deles”, afirmou o procurador à Folha de S.Paulo.

“A partir de agora, a farmacêutica deverá repassar gratuitamente os remédios ao poder público para que ele os encaminhe aos pacientes”, completou o procurador Luiz Duarte.

Em debates sobre judicialização, Cojusp recebe destaque na imprensa

A Coordenadoria Judicial de Saúde Pública do Estado de São Paulo esteve em destaque na grande imprensa neste mês de agosto. Representada pelo doutor Luiz Duarte de Oliveira, a entidade pôde expressar seu entendimento sobre dois assuntos que estiveram em pauta recentemente: a decisão do STF de desobrigar o Estado de fornecer medicamento não incorporado ao SUS; e a histórica decisão da Justiça paulista de condenar a farmacêutica Sanofi Genzyme a ressarcir o Estado por induzir pacientes à judicialização.

Na TV Aparecida, uma das maiores redes de televisão do Estado de São Paulo, Luiz Duarte esteve no programa Aparecida Debate, sob o tema “Medicamentos de Alto Custo”. Em conversa com a representante do Instituto Vidas Raras, Regina Próspero, o procurador reforçou que o SUS faz escolhas com o objetivo de preservar o bem comum ante o benefício individual. Tais escolhas eventualmente desagradam a fabricantes de medicamentos, o que dá início ao ciclo da judicialização: “A judicialização virou uma grande oportunidade comercial. Temos muitos medicamentos, para muitas doenças, mas o SUS tem sua própria política, oferecendo à população medicamentes eficazes, mas não necessariamente aqueles prescritos pelos médicos”, comentou.

“Os entes públicos estão quebrando seus orçamentos por conta da judicialização. Hoje, vivemos um drama da escassez do dinheiro por conta da judicialização. Nossa intenção no Estado é organizar e racionalizar este debate. Temos uma iniciativa piloto na Capital (…) na busca pela melhor alternativa farmacêutica para diminuir a judicialização”, ressalta Luiz Duarte.

O procurador lembrou que o projeto piloto está amparado na decisão do Plenário do STF que desobriga o Estado de fornecer medicamento experimental ou sem registro na Anvisa.

Impresso – Já ao jornal Folha de S.Paulo, em entrevista à repórter especial Claudia Collucci, doutor Luiz Duarte comentou a histórica decisão da Justiça paulista, que recentemente condenou a farmacêutica Sanofi Genzyme a ressarcir o Estado por indução da judicialização. O valor da ação está estimado R$ 150 milhões.

Conforme lembra o procurador, mesmo antes do término dos estudos clínicos, em janeiro de 2006, representantes das crianças em questão começaram a impetrar mandados de segurança contra o governo paulista, por meio de uma associação de pacientes, pedindo o referente remédio. Todas as decisões então foram favoráveis às crianças.

Resoluções do Ministério da Saúde do Conselho Nacional da Saúde entendem que é o dever do patrocinador de pesquisas clínicas continuar a fornecer o tratamento após o término dos estudos. Contudo, durante o processo, o laboratório alegou que não existe dever legal de doação perpétua. Neste específico caso, hoje, o governo paulista tem um gasto mensal de cerca de R$ 350 mil. Em sua decisão, a juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti determinou que o laboratório, além de ressarcir o Estado, também entregue, mensalmente, sem custos ou despesas, o medicamento às crianças. A fabricante também foi condenada por danos morais coletivos.

“Ocorre que, no Brasil, os laboratórios têm obrigação de cuidar dos pacientes sujeitos de pesquisas clínicas, principalmente quando o resultado é benéfico. Isso implica dar continuidade ao tratamento até a cura ou o resto da vida deles”, finalizou Luiz Duarte.

Judicialização da saúde: da crítica à busca de uma jurisprudência construtiva (Daniel Wang)

Existe farta literatura crítica à postura predominante do Judiciário em ações com pedidos de tratamentos médicos contra o SUS. Critica-se, sobretudo, a interpretação do direito à saúde como o direito a tudo que um médico prescreva independente do preço, a falta de cuidado na avaliação da evidência científica, a pouca preocupação com o impacto no orçamento e em outros usuários do sistema, e as desigualdades geradas pelo acesso privilegiado àqueles que chegam ao SUS pela via judicial. Mesmo quando o Judiciário coloca critérios para a concessão de tratamentos, as exceções são tão amplas que acabam engolindo a regra. Eu mesmo já escrevi textos acadêmicos (ver aqui, aqui e aqui) e de opinião (ver aqui, aqui e aqui) com tais críticas.

Faço, porém, um mea culpa. As críticas frequentemente vieram desacompanhadas de propostas concretas para melhorar as decisões, o que cria dois problemas: (1) não há o devido reconhecimento das dificuldades dos magistrados de decidirem questões apresentadas como de  vida ou morte para um indivíduo; (2) cria a impressão de que a única alternativa à concessão quase irrestrita de tratamentos é a total abdicação do Judiciário em saúde. Isso faz com que, ainda que as críticas sejam compreendidas pelos julgadores, elas causem mais angústia e hostilidade do que mudanças na prática judicial. Este artigo propõe uma abordagem diferente.

O dilema entre “humanidade” e “justiça”

David Hume, filósofo escocês do século XIX, ajuda a entender a judicialização da saúde no Brasil atual. Hume se pergunta sobre a origem da moral (a distinção entre certo e errado). Sua resposta está em um mecanismo psicológico chamado sympathy, que é ressonância do sentimento alheio em nós, ou seja, a habilidade de nos colocarmos no lugar do outro e sentir sua dor e sua alegria. Nossos julgamentos morais são moldados pela aprovação daquilo que faz os outros felizes e a rejeição ao que causa dor, mesmo se não somos diretamente afetados. Hume chamou a capacidade de sentir sympathyde “humanidade”.

Humanidade para Hume, porém, é diferente de justiça. A humanidade é inescapavelmente parcial e escassa. Nossa sympathy é maior quanto mais próximos somos de uma pessoa ou quanto melhor a conhecemos. O drama de alguém cujo nome, rosto e história conhecemos e com quem nos identificamos nos afeta muito mais do que a de um estranho ou um número em uma estatística.

A justiça, porém, exige imparcialidade e a atribuição de igual valor a todos, independentemente dos sentimentos por cada um deles. A justiça fundamenta-se na criação de regras que maximizem o bem-estar da sociedade e que se aplica todos os seus membros. Por isso, ser justo conflita frequentemente com sentimentos e impulsos. É o compromisso com a justiça e suas regras que permite cooperação e coexistência estável em grandes grupos sociais que não necessariamente possuem vínculos afetivos.

A teoria de Hume explica por que é difícil para magistrados negarem a concessão de tratamento mesmo quando sabem que isto gera desigualdade e ineficiência na política de saúde. Juízes estão diante de dramas individuais pintados em cores vívidas, enquanto o sofrimento que seria evitado com um uso alternativo dos R$7 bilhões que se estima gastar com judicialização da saúde no Brasil não aparece no processo judicial e, portanto, não gera sympathy.
A justiça requer que o foco saia do indivíduo e passe para a observância das regras utilizadas para a alocação de recursos. Isto permite que todas as necessidades em saúde que demandam recursos escassos sejam tratadas com igualdade. Ignorar as regras do SUS para obrigar o fornecimento de um medicamento independentemente de como isso afeta outras pessoas é humano, mas injusto.

As regras para alocação de recursos escassos

Limitar o acesso a tratamentos é legítimo em uma política de saúde. Na Inglaterra, que tem um gasto per capta em saúde seis vezes maior que o do SUS, tratamentos efetivos podem não ser fornecidos se não forem custo-efetivos (o ganho em saúde não compensa o maior gasto) ou se o seu impacto orçamentário for muito elevado.

Tratamentos de alto custo são o principal objeto de judicialização no Brasil e a principal causa de inflação em saúde no mundo. Se o gasto com tratamentos novos cresce em uma proporção maior que do orçamento da Saúde, então outras políticas de saúde (atenção primária, medidas preventivas, atendimento médico hospitalar etc.) acabam espremidas. Gestores precisam conciliar a incorporação dos benefícios trazidos pelas novas tecnologias com a sustentabilidade financeira do sistema e a manutenção de outras políticas de saúde.

Por esta razão, em sistemas bem estabelecidos a incorporação de tecnologias passa por um processo que envolve (1) registro em agência de vigilância sanitária, como a ANVISA, que analisa qualidade, eficácia e segurança de um medicamento; (2) avaliação de uma tecnologia de saúde por órgão como a CONITEC, que compara seus custos e benefícios com os de tratamentos já existentes; (3) negociação de preço com a indústria; e (4) decisão de incorporação por autoridade responsável por gerir um orçamento para atender uma determinada população.

A legislação brasileira é clara quanto à importância deste processo quando, por exemplo, criminaliza a distribuição de medicamentos sem registro na ANVISA (Art. 273, § 1º-B, I do Código Penal) e define que a assistência integral consiste no fornecimento de tratamentos com base nos protocolos e listas do SUS atualizados com apoio da CONITEC (Lei 12.401/11). Se um sistema de saúde precisa respeitar tais regras, então é problemático que tribunais sejam atalhos para que tratamentos que não completaram este ciclo alcancem o orçamento público, seja porque as regras são ignoradas ou pela criação de exceções que as anulam. Os núcleos de assistência técnica(NATs) para assessorar os juízes devem também ser vistos com cautela. É improvável que um grupo pequeno de profissionais com pouca accountability tenha expertise e recursos pode substituir o processo extremamente complexo acima descrito.

Controle judicial das regras de alocação de recursos

Se os magistrados aceitam a importância deste processo que vai do registro à incorporação, então a análise judicial deve começar localizando em que estágio dele o tratamento pedido está. Para ficar apenas nos exemplos extremos, tratamentos sem registro não podem ser tratados da mesma maneira que aqueles já incorporados. Isto não significa que tratamentos não incorporados devam ser automaticamente rejeitados e os já incorporados devem ser imediatamente concedidos judicialmente.

Proponho um modelo baseado na distribuição do ônus da prova: quanto mais perto o tratamento está do começo do processo, maior o ônus dos autores da ação para justificar seu fornecimento; quanto mais perto do final, maior o ônus do Estado em não o fornecer. Pode haver situações em que se demonstre que a não incorporação é resultado de uma decisão arbitrária (não motivada ou com motivos irracionais). Um exemplo seria uma decisão da ANVISA ou CONITEC que ignore injustificadamente evidências científicas sólidas. Neste caso, cabe ao Judiciário a proteção da integridade e da coerência das decisões administrativas. Um caso real é o Treatment Action Campaign, em que a decisão do governo sul-africano de limitar a distribuição de um antirretroviral com base em dúvidas infundadas sobre sua eficácia foi revista pelo Judiciário.

Por outro lado, negar um tratamento incorporado a um paciente pode ser justificável. Soobramoney, também na África do Sul, teve acesso a diálise negado em hospital público porque pacientes que poderiam ser submetidos a um transplante tinham prioridade, aumentando a rotatividade e, consequentemente, o número de pessoas atendidas. Como não poderia ser transplantado devido a outras enfermidades, ele ingressou com ação judicial com base no direito à vida e à saúde. A Corte Constitucional negou o pedido, julgando o critério distributivo adotado razoável e corretamente aplicado no caso concreto. Essa passagem na sentença mostra o dilema da Corte entre “justiça” e “humanidade”: “Se recursos fossem coextensivos com compaixão, não tenho dúvidas de qual teria sido minha decisão. Porém, recursos são limitados e não encontro razão para interferir em uma alocação realizada por aqueles melhor equipados que eu para lidar com estas escolhas agonizantes que precisam ser feitas”.

O direito constitucional à saúde e as escolhas alocativas do SUS

Argumenta-se que uma atuação judicial diferente daquela prevalente no Brasil contrariaria o direito constitucional à saúde. Este seria um direito individual absoluto e ilimitado a qualquer intervenção que possa trazer algum ganho em saúde. Contudo, há outras interpretações mais plausíveis deste direito.

A literalidade da Constituição mostra que o escopo do direito à saúde é limitado. O Art. 196 diz que a saúde é um direito garantido mediante “[…] acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Ninguém pode ser excluído do SUS ou ser discriminado no seu acesso, mas disso não decorre que todos os tratamentos prescritos por um profissional da saúde devam ser fornecidos. Cabe ao SUS escolher essas ações e serviços de acordo com regras infraconstitucionais. O Art. 198, que trata da integralidade, deixa claro que escolhas de prioridades precisam ser feitas. A Constituição dá aos gestores um espaço de discricionariedade que a judicialização lhes retira.

Se o direito à saúde for interpretado à luz do Direito Internacional, a conclusão também será diferente daquela predominante nos tribunais brasileiros. A Convenção da ONU sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (DESC) entende o direito à saúde como um direito de realização progressiva dentro dos recursos disponíveis. O Comentário Geral n.14 do Comitê da ONU para DESC afirma que, para realizar o direito à saúde, deve-se evitar gasto desproporcional com tratamentos de alto custo para pequenos grupos em detrimento de intervenções que atinjam parcela muito maior da população, como atenção primária e preventiva.

Ademais, o direito à saúde é um princípio, um mandado de otimização cuja realização depende das circunstâncias fáticas. O direito à saúde precisa ser entendido dentro do contexto de um sistema de saúde com mais necessidades que recursos e do qual dependem vários titulares do mesmo direito. A restrição à satisfação do direito, porém, precisa ser justificada e, dada a complexidade e multiplicidade de sujeitos envolvidos, é importante que haja regras para a alocação de recursos. O Judiciário protege melhor o direito à saúde examinando estas regras e exigindo sua observância do que fazendo alocações individuais que as violam.

Em conclusão, é juridicamente consistente e salutar para o SUS uma jurisprudência que impeça indivíduos (e indústria) de contornem as regras de alocação de recursos, mas que controle as escolhas alocativas do sistema, avaliando a regra aplicada para negar um tratamento, se ela é razoável ou arbitrária, e se foi adequadamente aplicada no caso concreto.

Daniel Wei Liang Wang – Professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas-SP

O artigo foi publicado originalmente no website JOTA

Vitória histórica da PGE-SP: Justiça julga procedente ACP contra laboratório Genzyme do Brasil

Foi julgada integralmente procedente a Ação Civil Pública proposta contra o laboratório Genzyme do Brasil (hoje Sanofi-Aventis). A ACP foi proposta razão de investigação realizada pela CGA, Seccional Saúde, e CONJUR (Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde), que revelou a existência de fraudes envolvendo voluntários de pesquisas clínicas, que se tornaram autores de ação judicial contra o Estado após o registro do medicamento na ANVISA. As pesquisas estavam voltadas para o tratamento de três moléstias genéticas graves, dentre elas a Mucopolissacaridose Tipo I, (MPS I ou Síndrome de Hurler).

A decisão é a primeira de tal natureza no Brasil e condena a Genzyme a:

a) ressarcir ao Estado de São Paulo os valores dispensados para a aquisição do medicamento (ALDURAZYME, Laronidase), para cumprimento das ordens judiciais em favor das crianças que participaram das pesquisas clínicas;

b) na obrigação de fazer consistente na entrega, mensalmente, sem custos ou despesas, do medicamento (Aldurazyme, laronidase) na quantidade prescrita àquelas 6 crianças ainda vivas, sujeitos das pesquisas clínicas, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais);

c) ressarcir os danos morais coletivos que fixo no décuplo do montante das perdas materiais sofridas pelo Estado na aquisição da droga para cumprimento de ordens judiciais, conforme postulado na inicial.

A ação foi ajuizada pelo doutor Luiz Duarte de Oliveira e pelo doutor José Luiz Souza de Moraes, tendo sido conduzida no período pela doutora Ana Paula Ferreira dos Santos.

“Foi também essencial para a essa vitória a participação do Professor Daniel Wang, então Professor de saúde e direito humanos da Queen Mary, University of London, que, com inigualável generosidade, ofereceu, de forma espontânea e gratuita, o inédito Parecer Jurídico que subsidiou esta importante vitória. Trata-se de uma vitória excepcional”, comentou o doutor Luiz Duarte.

Sobre os valores devidos incidirão correção monetária desde as lesões, segundo a Tabela de Atualização do TJSP, além de juros de mora, de 1% ao mês, além de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da condenação.

Para melhor dimensionar a condenação pecuniária, ao tempo do ajuizamento da ação, em 2014, esses valores representavam R$ 97.000.000,00 (noventa e sete milhões de reais).

Leia a íntegra da decisão

Juiz determina corte de energia de secretaria da Bahia por não fornecer remédio a cidadã

O juiz de Direito Josevando Souza Andrade, da 1ª vara dos Juizados Especiais da Fazenda Pública de Salvador/BA, determinou o corte de energia e de internet da SESAB – Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. O Estado não cumpriu decisão que o obrigava a fornecer medicamento a uma cidadã.

Uma mulher ajuizou ação cominatória contra o Estado da Bahia, requerendo, em sede de antecipação de tutela, que o Estado custeasse seu tratamento fornecendo a droga antiangiogênica Lucentis, com aplicação intravítrea, na quantidade e periodicidade recomendadas pelo médico.

Ao analisar o pedido, o juiz Josevando Souza Andrade deferiu a liminar, determinando o custeio das aplicações de 3 injeções, sem prejuízo de continuação do tratamento caso fosse necessário.

O Estado da Bahia não cumpriu a decisão, diante do que o juiz exigiu justificativa plausível sobre o descumprimento. No dia 2 de agosto, o magistrado dera um prazo de 48h para que o Estado pudesse comprovar o cumprimento da decisão judicial. Expirado o prazo e sem a comprovação por parte do Estado, foi determinado o corte de energia elétrica e internet que abastecem a unidade imobiliária onde funciona a SESAB.

A decisão está sendo cumprida.

Suspensas decisões que determinavam fornecimento de tratamento a hemofílicos do DF

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, suspendeu decisões em que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) havia determinado ao Governo do Distrito Federal (GDF) o fornecimento a pacientes com hemofilia tipo A de tratamento em quantidades superiores ao protocolo padrão do Ministério da Saúde. Na decisão, tomada na Suspensão de Liminar (SL) 1022, o ministro constatou que a manutenção das medidas impostas pela Justiça do DF implicaria violação à ordem público-administrativa e à ordem econômica.

O ministro acolheu pedido do Governo do DF para suspender as decisões da origem até o trânsito em julgado dos processos (quando não houver mais possibilidade de recursos), confirmando liminar no mesmo sentido deferida pela Presidência do STF em julho de 2016. Na decisão, o presidente do STF determina a adoção do protocolo do Ministério da Saúde para os pacientes hemofílicos do DF, ressalvada a necessidade de terapia diversa devidamente comprovada por junta médica oficial.

O caso – O litígio envolve a quantidade do Fator VIII de coagulação prescrita para o tratamento. Um grupo de pacientes pleiteou na Justiça o fornecimento de terapia prescrita por uma médica da rede pública do Distrito Federal em doses maiores do Fator VIII, com o argumento de que seu quadro requereria tratamento e doses diferenciados. O DF, por sua vez, questiona a validade do tratamento e sustenta que tal prescrição contraria todos os protocolos médicos nacionais e internacionais de tratamento da hemofilia.

Na STL 1022, ajuizada em 2016, o governo do DF afirmou que não há comprovação científica da eficácia do tratamento prescrito e que este possui custos muito mais elevados. Sustentou ainda que a manutenção das decisões do TJDFT impõe grave lesão à ordem, à saúde e à economia públicas e tem potencial efeito multiplicador das demandas.

Suspensão – Ao decidir, o ministro explicou que a análise dos pedidos de suspensão de liminar se restringe ao alegado rompimento da ordem pública pela decisão questionada, sem adentar no exame das divergências expostas na ação na instância de origem sobre a eficácia do tratamento. Ele lembrou que a adoção de parâmetros em casos semelhantes ao dos autos foi objeto de deliberação da Corte no julgamento de agravo regimental na Suspensão de Tutela Antecipada (STA) 175. “O fornecimento de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) possui na atualidade um regramento de ordem técnica e administrativa voltado a assegurar o acesso dos usuários às tecnologias de saúde com sustentabilidade do sistema”, ressaltou.

Toffoli explicou que as condicionantes para o fornecimento de medicamentos pelo SUS são de ordens científica e administrativa, e ambas estão descritas na Lei 12.401/2011, que estabeleceu normas para a incorporação de medicamentos e a definição de protocolo clínico. “A incorporação de novas tecnologias no SUS constitui, portanto, processo rigoroso de busca por evidências científicas das novas tecnologias, capazes de balizar com razoável certeza (eficácia, segurança e efetividade) e custo justificável (custo-efetividade) as decisões a serem adotadas pelo Sistema”, ponderou.

No caso dos autos, o ministro ressaltou que, embora seja prematuro avaliar o procedimento médico pleiteado, a tecnologia adotada pelo SUS e o protocolo padrão contam com extensa aprovação científica e internacional. “Impor o fornecimento de terapia medicamentosa diversa – mais custosa, inclusive – implicaria violação à ordem administrativa, seja pela inversão dos papéis na adoção de nova tecnologia (privilegiando-se a prescrição médica em detrimento da revisão sistemática), seja pela imposição de maior custo para obtenção de resultado clínico aparentemente semelhante”, afirmou.

Evolução – O presidente do STF lembrou, no entanto, que a ciência evolui de forma muito mais célere do que podem acompanhar as ações judiciais. Por essa razão, conforme ressalvado na liminar anteriormente concedida, fica excepcionada a suspensão das decisões quando a necessidade do medicamento pleiteado for atestada por junta médica oficial.

As informações constam do site do STF

Laboratórios devem judicializar suspensão da produção de medicamentos ao SUS

Laboratórios e estados avaliam ir à Justiça após o Ministério da Saúde suspender Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) de medicamentos usados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Há parcerias interrompidas para produção de 19 medicamentos que fornecem produtos para milhares de pacientes, como insulina, para diabéticos, e everolimo, para transplantados.

De acordo com o site JOTA, laboratórios se queixam de não terem sido avisados sobre as suspensões. Alguns só souberam da medida tomada ao consultar o site do Ministério da Saúde. Os órgãos públicos ainda reclamam que ritos exigidos pela legislação não teriam sido seguidos.

O ministério diz em nota que as PDPs seguem vigentes e que o “ato de suspensão” é um período transitório de coleta de informações sobre a situação de cada parceria. A pasta ainda afirma que os medicamentos estão com processos de compra em andamento.

Na leitura dos laboratórios públicos sobre ofícios enviados pelo ministério, porém, a suspensão interrompe os serviços. Em um dos documentos, o ministério afirma que a decisão foi tomada pela insegurança jurídica na manutenção da parceria e cobra manifestação do laboratório em 10 dias úteis.

As instâncias deliberativas sobre PDPs, como o Comitê Deliberativo, foram extintas por decreto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que encerrou diversos colegiados da administração pública.

Parcerias milionárias – As parcerias contestadas são entre empresas do governo com os seguintes laboratórios: Pfizer, Libbs, Cristália, Biomm, Blanver, INDAR, Boehringer, Roche, GSK e Protalix.

Os contratos de fornecimento de produtos ao SUS via PDP são milionários. Apenas o da Bahiafarma, com insulina fornecida pela ucraniana Indar, fechado em 2018, é de R$ 205 milhões. O ministério já havia mostrado desconfiança sobre o contrato no começo do ano, quando abriu outro pregão de compra do mesmo produto.

Segundo o presidente da Associação dos Laboratórios Oficiais do Brasil (Alfob) e da Bahiafarma, Ronaldo Ferreira Dias, as suspensões podem levar ao desabastecimento de medicamentos essenciais ao SUS. Além disso, disse, há laboratórios públicos que dependem quase exclusivamente da renda das parcerias, como a TECPAR e a Bahiafarma que poderão demitir grande número de funcionários, disse.

Dias aponta ainda que governos federal e estaduais podem encontrar dificuldade para obter outros fornecedores, pois como os mercados são fechados quando a PDP é firmada, empresas deixariam de atuar no país — ou cobrariam preços mais altos.

As PDPs são alvos constantes de críticas do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM). Em maio, ele afirmou que não seria correto fazer uma “crítica generalizada”, mas que não tem “visto coisas que encantem” nas parcerias.

O TCU tem pelo menos 12 processos sobre PDPs. Em dois deles há decisão cautelar pela suspensão da parceria, como é o caso da produção para medicamento de câncer de mama, que envolve mais de R$ 220 milhões.

Para o presidente da Alfob, os laboratórios deviam ter sido chamados para dialogar antes da suspensão dos processos. “Sabemos os problemas, mas não é gerando dano que vamos saná-los”, disse.

Desde o começo do ano, Mandetta promete rever o marco legal das parcerias. Uma portaria para regularizar a situação de parcerias estaria pronta no ministério, que deve discutir o texto nesta semana com o TCU. A principal mudança seria a criação de “indicadores para monitorar processos e resultados” das parcerias.

O ministério tem sinalizado interesse em usar os laboratórios oficiais para produção de medicamentos que a indústria perde interesse em fornecer. Houve diálogo, inclusive, com o BNDES para uma linha de crédito e com a OPAS para a criação de um mercado em países da América Latina que poderiam ser atendidos pelo Brasil.

Gestores de laboratórios públicos defendem as parcerias. Segundo eles, as PDPs servem para regular preços e além disso, muitas das críticas levantadas pelo TCU surgem por especulações de preço feitas pela indústria.

As informações são do portal JOTA

Encontro Nacional de Procuradorias de Saúde aprova Carta de Curitiba

O 1º Encontro Nacional de Procuradorias de Saúde, que reuniu procuradores de 20 Estados do Brasil, deu origem à Carta de Curitiba, documento a ser encaminhado a todas as Procuradorias Gerais de todos os Estados. “As recomendações contidas na carta são essenciais para a melhoria da defesa dos Estados em juízo e para o incremento dos debates sobre a saúde pública, tema essencial para a perpetuação do SUS”, apontou dr. Luiz Duarte de Oliveira, que representava a COJUSP e o Estado de São Paulo.

Clicando aqui, você acessa o conteúdo integral da Carta de Curitiba

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Dr. Luiz Duarte de Oliveira destacou também o sucesso do evento: “Tivemos oportunidade de trocar experiências vivenciadas em todo o Brasil, no que diz respeito à judicialização da saúde. Foi um encontro muito efetivo, realizado sob um clima de congraçamento”, disse.
Em seu painel, o magistrado apresentou cinco tópicos:

1) Parceria Institucional – PGE/Secretaria;
2) Combate ao problema local para encontrar soluções e detectar malfeitos
3) Necessidade de estabilidade política;
4) A Mídia como componente estratégico de trabalho;
5)Mundo digital, big data, algoritmos, robotização.

Além do procurador Luiz Duarte, São Paulo esteve representado pelos doutores Ana Paula Ferreira Santos e José Luiz Souza de Moraes, ambos integrantes da COJUSP, além de Daniel Henrique Ferreira Tolentino, Procurador Chefe da PGE/SP em Brasília.

O evento contou ainda com a participação do Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto (Desembargador do TRF4; Mestre em Direito pela UFPR; Membro do Comitê Executivo do Fórum Nacional da Saúde do CNJ; Ex-Coordenador do Comitê Executivo de Saúde do CNJ no Paraná.

Cojusp participa do 1º Encontro Nacional de Procuradorias de Saúde

O Estado do Paraná será sede, a partir da próxima quinta-feira, 27 de junho, do 1º Encontro Nacional de Procuradorias de Saúde. A abertura está prevista para as 16, em recepção preparada pela Associação dos Procuradores do Estado do Paraná (APEP).

A Cojusp estará representada pelo procurador do Estado de São Paulo doutor Luiz Duarte de Oliveira. Em seu painel, a ser desenvolvido na sexta-feira, a partir das 11h, o magistrado apresentará cinco tópicos:

1) Parceria Institucional – PGE/Secretaria;
2) Combate ao problema local para encontrar soluções e detectar malfeitos
3) Necessidade de estabilidade política;
4) A Mídia como componente estratégico de trabalho;
5)Mundo digital, big data, algoritmos, robotização.

“A experiência de São Paulo demonstra a necessidade de adequar as soluções às demais judicializações que existem – o fenômeno não é único. Por isso a importância de um evento como este, dedicado à troca de experiências, que fomenta a construção de novas metodologias de trabalho. Espero que seja o primeiro de muitos”, destacou o procurador Luiz Duarte.

O evento contará, entre outros, com  a participação do Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto (Desembargador do TRF4; Mestre em Direito pela UFPR; Membro do Comitê Executivo do Fórum Nacional da Saúde do CNJ; Ex-Coordenador do Comitê Executivo de Saúde do CNJ no Paraná. Clique aqui e confira a programação completa do encontro.