A farmacêutica norte-americana Gilead vem impedindo a compra, por parte do governo brasileiro, do Sofosbuvir, antiviral genérico para hepatite C com 95% de eficácia. A opção pelo genérico geraria uma economia de mais de R$ 1 bilhão ao ano aos cofres públicos.
Em mais um capítulo desta que promete ser uma batalha longeva, a Gilead entrou com um mandado de segurança no final de dezembro para “suspender o processo de aquisição de sofosbuvir” pelo ministério, argumentando que o preço da empresa que ganhou o pregão em novembro é “inexequível”
Anteriormente, a Justiça Federal do Distrito Federal havia deferido pedido de liminar apresentada por Marina Silva (Rede) e anulou a patente sobre o medicamento, concedida pelo INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial).
A decisão do juiz Rolando Spanholo, da 21ª Vara da SJDF (Seção Judiciária do Distrito Federal), aponta que, ao dar a patente do sofosbuvir para a farmacêutica americana Gilead, o INPI contraria manifestação do CNS (Conselho Nacional de Saúde) e poderia inviabilizar o cumprimento da meta assumida pelo Brasil de erradicar a doença até 2030: “É inquestionável que a situação envolvendo a dramática situação dos doentes com hepatite C (que depositam no SUS a esperança da cura) exige uma pronta e firme intervenção do Poder Judiciário”, diz o texto.
Um convênio entre Farmanguinhos-Fiocruz e Blanver obteve registro da Anvisa para fabricar o sofosbuvir genérico. A aprovação pelo órgão regulador, no entanto, não foi o suficiente para o INPI, que concedeu, no dia 18 de setembro, a patente sobre o sofosbuvir à Gilead – a produção de genéricos fica proibida e apenas a companhia americana pode vender o remédio no Brasil.
O que dizem as partes – Em nota, o INPI, vinculado ao Ministério da Indústria e Comércio, afirma que “como em todo exame de patentes, a decisão do INPI sobre o pedido relacionado ao sofosbuvir se baseou nos critérios técnicos previstos na Lei da Propriedade Industrial”.
Sobre a liminar, a Gilead afirmou que ainda não foi notificada e que “não comenta sobre assuntos dessa natureza fora dos autos do processo.” A empresa segue: “Aproveitamos para reforçar que, para a Gilead, a concessão de patentes equivale ao reconhecimento da inovação dos seus medicamentos, que não tem relação com prática abusiva de preços ou monopólio do mercado”.
Também em nota, o Conselho Deliberativo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) reafirmou seu compromisso de desenvolver e produzir o sofosbuvir, como forma de garantir condições de abastecer a demanda do SUS.
“Entendemos que a produção nacional em saúde deve ser parte de uma grande ação convergente dos poderes executivo, legislativo e judiciário para a defesa dos interesses da população, da soberania nacional em saúde e dos princípios constitucionais, que consideram o mercado interno como patrimônio nacional e a saúde como direito, evitando movimentos especulativos de mercado que ora manipulam os preços para a obtenção de lucros abusivos, ora para inviabilizar a produção nacional, afirma a Fiocruz.
“O sistema de patentes historicamente procurou um equilíbrio entre o incentivo à inovação e a garantia do interesse público. Entre as hepatites virais, a hepatite C representa a maior causa de morte no País, respondendo por cerca de 70% dos óbitos. Atualmente, 50 mil pacientes com hepatite C já dependem do acesso ao sofosbuvir para ter direito à vida. Estima-se que 700 mil pessoas portadoras da doença podem se beneficiar do tratamento, evitando graves complicações, como a cirrose hepática, transplantes e óbito. Vale destacar ainda que esse regime de tratamento foi, recentemente, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Não se justificam, portanto, patentes vinculadas ao tratamento da hepatite C que limitem o acesso da população brasileira”, acrescenta a Fiocruz.
A Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde do Conselho Federal da OAB emitiu, por sua vez, posicionamento pelo qual ressalta a necessidade de medidas que reparem o prejuízo que causará, ao Sistema Público de Saúde e à população brasileira, a concessão de patente do medicamento sofosbuvir pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
O documento afirma que essa medida pode impactar seriamente os cofres públicos e dificultar acesso a medicamentos que já eram fornecidos no Brasil a toda população. Segundo a OAB, trata-se de patente de síntese, que não atende os critérios de novidade e atividade inventiva necessários para a concessão do monopólio.
O custo no Brasil e como funciona no mundo – Em tomada de preços no início de julho no Ministério da Saúde, a Gilead ofereceu o sofosbuvir a US$ 34,32 (R$ 140,40) por comprimido, e a Farmanguinhos ofertou o genérico a US$ 8,50 (R$ 34,80). Hoje, o ministério paga US$ 6.905 (R$ 28.241) pela combinação de marca. Com a nova proposta, passaria a pagar US$ 1.506 (R$ 6.160), com a Fiocruz e a Bristol. Dada a meta de tratar 50 mil pessoas em 2019, isso significaria uma economia de US$ 269.961.859 (R$ 1,1 bilhão) em relação aos gastos com a combinação sem o genérico.
Países como Egito, Argentina e China não concederam a patente à Gilead e produzem os genéricos. Outros países, como o Chile, estudam quebrar a patente (licenciamento compulsório) do sofosbuvir.
