Publicado em: 10-05-2017

Recurso Repetitivo sobre medicamentos não padronizados: STJ sabe bem o que julgará?

By | 10/05/2017

Em fevereiro de 2009, o Ministro Benedito Gonçalves admitiu o REsp 1.102.457-RJ como representativo de controvérsia a respeito da ” Obrigatoriedade de fornecimento, pelo Estado, de medicamentos não contemplados na Portaria 2.577 / 2006 do Ministério da Saúde (Programa de Medicamentos Excepcionais).

Foi, então, processado como Recurso Repetitivo (indicado como Tema 105), com a determinação de suspensão do julgamento dos demais recursos sobre a mesma matéria. Veja a decisão .

Em dezembro de 2014, o Estado do Rio de Janeiro, então recorrente, requereu a desistência de recurso, pois o medicamento objeto da controvérsia havia sido padronizado pelo SUS. Homologada a desistência e desafetado aquele REsp, o Tema 105 dos Recursos Repetitivos acabou esvaziado, dada a inexistência de indicação de outro recurso que pudesse representar a controvérsia. Confira a decisão .

Ágora, através de Acordão publicado no último dia 3 de maio, a Primeira Seção do STJ, acolhendo o voto do mesmo Ministro Benedito Gonçalves, decidiu afetar o REsp 1.657.156-RJ ao rito dos Recursos Repetitivos, reintroduzindo a questão para futura apreciação e solução de todos os processos que guardam a mesma controvérsia.

Segundo o Ministro Relator, o tema mereceria ser atualizado em razão das inovações normativas havidas no decorrer do tempo. Segundo suas palavras:

“A questão controvertida encontra-se assim delimitada: obrigatoriedade de fornecimento, pelo Estado, de medicamentos não contemplados na Portaria 2.577 / 2006 do Ministério da Saúde.

À guisa de atualização, faço constar que a referida Portaria n. 2.577 / 2006 já se encontra ab-rogada, tendo sido substituída, integralmente, pela Portaria n. 2.982, de 26 de novembro de 2009, remanescendo a situação fática e a questão controvertida. “

Assim, figura como atual Tema 106 dos Recursos Repetitivos a questão relativa à Obrigação de fornecimento, pelo Estado, de medicamentos não contemplados na Portaria n. 2.982 / 2009 do Ministério da Saúde (Programa de Medicamentos Excepcionais).

Mas, será que o STJ sabe bem o que julgará?

A simples menção ao Programa de Medicamentos Excepcionais no Tema 106 dos Recursos Repetitivos já causa certa perplexidade, pois os Programas de Assistência Farmacêutica do SUS – e eram três: o Excepcional, o Estratégico e da Atenção Básica – já não existem mais, e desde a edição da Portaria GM / MS nº 204 , de 29 de janeiro de 2007, quando todas as ações e serviços de saúde passaram a ser desenvolvidos na forma de blocos de financiamento.

O específico bloco de financiamento da Assistência Farmacêutica, segundo definido pelo artigo 24 da referida Portaria, passaria, doravante, a ser constituído por três “componentes”, denominados, na atualidade, de: Componente Básico da Assistência Farmacêutica, Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica e Componente Especializado da Assistência Farmacêutica.

A introdução da figura desses chamados “componentes” inovou o anterior quadro dos “Programas de Medicamentos”, pois, desde então, a Assistência Farmacêutica no SUS passou a ser concebida a partir do seu financiamento pelas três esferas de governo, e não mais apenas em razão da doença ou do agravo à saúde a ser tratado.

O chamado Componente Especializado de Assistência Farmacêutica, que corresponde ao antigo Programa de Dispensação de Medicamentos Excepcionais, posteriormente denominado Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional, é regulamentado atualmente pela  Portaria GM / MS nº 1.554 , de 30 julho de 2013.

A menção naquele Tema 106 à Portaria 2.982 / 2009 do Ministério da Saúde causa maior perplexidade, pois a norma diz respeito à execução e financiamento da Assistência Farmacêutica na Atenção Básica , que além de muito revogada (atualmente regulamentada pela Portaria GM / MS N . ° 1.555 , de 30.07.2013), não guarda qualquer relação com o atual Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (o extinto Medicamentos Excepcionais).

Por outro lado, preocupa o destaque que se dá ao “Estado”, como destinatário da obrigação de fornecer os medicamentos da Componente Especializado. Seria uma referência em sentido amplo às três esferas de governo ou uma reminiscência do antigo clichê de que “o alto custo da responsabilidade única do Estado ?

Enfim, não é difícil perceber, e só à vista da enunciação do tema que se quer levar à julgamento, que o STJ, além de mal conhecer a assistência farmacêutica prestada pelo SUS, quer em termos estruturais, quer em termos normativos, gera dúvidas, pelo desapego técnico e conceitual, a respeito da questão jurídica que quer pacificar.

Não custa lembrar também que questão análoga é objeto do Tema 6 das Repercussões Gerais do STF, já com julgamento iniciado, fato que desperta outras indagações sobre os os reais objetivos desse novo (velho) Recurso Repetitivo.

A COJUSP, preocupada com a situação, já provocou a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo em Brasília, sugerindo que os Estados da Federação e do Distrito Federal ingressem naquele Recurso Repetitivo na qualidade de amicus curiae , e busquem corrigir erros e sanar como dúvidas apontadas .

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